O alto custo de se brigar com a imprensa é evidenciado na crise

icon-calendar 25 de março de 2020 icon-author Sérgio Cross

O pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, em rede nacional na noite de 24/03 chocou a audiência. Ao minimizar a importância de várias ações que objetivam evitar a propagação da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), adotadas no Brasil e em muitas localidades, ele voltou a atacar a imprensa por exagerar na cobertura e, assim, criar pânico desnecessário.

Os presidentes da República do Brasil, tais como José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, ‘apanharam’ muito da imprensa durante seus mandatos e também após isso. Entenda-se como ‘imprensa’ aqueles veículos que não comercializam seus espaços editoriais para se transformarem em porta-vozes de autoridades, como os casos em que vergonhosamente assistimos em alguns veículos.

Manchete curta e objetiva resume o que foi o pronunciamento do presidente.

Os citados anteriormente não gostavam de muitas matérias, artigos, opiniões, abordagens e coberturas jornalísticas sobre o desempenho de suas administrações.

Mas nem por isso abriram frente aberta, como o faz o presidente Jair Bolsonaro, que se beneficia de um exército de apoiadores (pessoas e robôs) para atacar, inclusive com mentiras, fake news (o que gera descrédito), injúrias, difamações não apenas a instituição Imprensa e os veículos de comunicação, mas, também, as pessoas físicas dos jornalistas.

É uma atitude ousada, para dizer o mínimo, de um chefe de uma nação 

O grupo que gravita em torno do presidente não poupa nem médicos respeitados, como Dráuzio Varella, e aí se dão muito mal – caso do Twitter que tirou do ar vídeo tirado de contexto compartilhado pelo ministro do Meio Ambiente (ele, pelo menos, pediu desculpas) e por outros do time do seu Jair.

Cuidado com o que publica, ministro…


Relacionamento com a imprensa é estratégia

Todos os ex-presidentes foram bem aconselhados a como se manter e se portar em relação à mídia, com falhas aqui e ali, como a ameaça do governo Lula de expulsar do país o jornalista do New York Times, Larry Rohter.

Não é fácil suportar o trabalho da imprensa quando se está no poder; nunca o será em um ambiente realmente democrático. 

Imprensa não foi feita para elogiar ou falar bem, mas, sim, para apresentar visão crítica, sempre, até mesmo quando a notícia é positiva. E tem que trazer mais de uma opinião para os fatos noticiados, quando possível.

Mas, é o seguinte: cada veículo é uma empresa, com pelo menos um dono e este tem seus posicionamentos, opiniões, valores que geralmente faz questão de verem refletidos na cobertura jornalística de seu veículo. Se você não gosta do que um veículo escreve, fala ou mostra mude para outro.

Jair Bolsonaro viu seu ego subir aos céus após se manter na dianteira da opinião pública no processo eleitoral e também ao conquistar a Presidência pelo voto direto e democrático. E achou que podia extrapolar em suas críticas e ataques ao trabalho da imprensa, em vez de buscar se relacionar com ela, como é o correto a se fazer. E por se ‘relacionar’ não entenda como ‘deixar de criticá-la’. Afinal ela erra; erra com frequência e merece ser criticada e ter suas falhas expostas, pois pode acabar com reputações – caso Escola Base, lembram?

O seu Jair superou o primeiro ano de governo surfando na popularidade, divulgando as realizações de seu governo via mídias sociais e com apoio dos veículos de ‘imprensa” (sic) amigos e mantendo grupos convencidos que a imprensa é um ser danoso para os interesses nacionais. Bem, todo mundo, inclusive ele, tem a liberdade de achar isso.

Mas é quando a crise eclode que vemos que o bom relacionamento com a imprensa é muito, mas muito útil para os governantes, principalmente. Ter uma força capaz de influenciar corações e mentes contra você, e com sangue nos dentes, não é o melhor dos mundos.

Severamente criticado na imprensa, Gilmar Mendes, age bem diferente de JB e os seus.


Na atual crise da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), o presidente amarga um revés por parte da cobertura jornalística – e enorme repercussão nas redes sociais –, com reflexos gigantescos na seara política, em que outros políticos se colocam como seus adversários e, ao contrário dele, faturam em popularidade na gestão dos problemas decorrentes do Covid-19 e das medidas de emergência.

Até os que o admiram estão sendo influenciados pela cobertura jornalística negativa que se faz de seu desempenho durante a crise. O resultado negativo de seus exames para coronavírus é motivo de questionamento.

A volta dos panelaços (uma ação ligada à figura da Dilma), os espaços positivos de exposição na mídia destinados aos opositores, as acusações de equívocos e de declarações, decisões e posturas temerárias por parte do atual presidente durante a crise é o troco que a cobertura jornalística dá e ajuda a alimentar porque atinge diretamente quem a difama seguidamente.

A ‘instituição Imprensa’ parece considerar Jair Bolsonaro um mal a ser desidratado e defenestrado, embora reconheça ter sido ele adequadamente eleito pelo povo. Em resumo: não há qualquer boa vontade para com o atual governo federal na hora de noticiar os fatos e suas repercussões. Mas quem foi que provocou esta situação? O fato é que esse comportamento adverso dos dois lados vai provocar danos para ambos.

Aliás, esta briga com a imprensa produziu um fenômeno novo, que merece ser acompanhado para ver até onde vai.

Nunca se viu tantos jornalistas da imprensa se exporem publicamente em seus canais nas mídias sociais para criticar – e até agredir verbalmente – um presidente da república. Compraram briga diretamente com ele, com ministros de Estado, com os filhos do seu Jair (um senador, um deputado federal e um vereador) e até com o doido que é chamado de guru e mora nos EUA, arriscando fragilizar a imagem de isenção que o público gosta de enxergar nesses profissionais.

Ou será que um jornalista que ataca o presidente e seus grupos nas mídias sociais tem como comprovar que, na hora de elaborar e divulgar uma notícia sobre seus desafetos, esta será produzida de acordo com as boas práticas do Jornalismo? Deram a cara a tapa perante a opinião pública. (Como sou jornalista há uns bons aninhos, sei quando o profissional sério sabe fazer esta diferenciação na hora de produzir seu trabalho – mas o leitor comum, nem sempre.)

Mas, querer que o(a) jornalista fique quieto(a), engolindo desaforos, injúrias e outros ataques (até ameaças de morte) todos os dias, de forma massiva, não é para qualquer um(a). Portanto, os jornalistas que contra-atacam merecem ser compreendidos, pois trata-se de um fenômeno recente. 

Entendo que os jornalistas que compraram a briga até no plano pessoal aceitaram a provocação, partiram para o revide e, com isso, colaboraram para impactar seu trabalho, para o bem e para o mal. Há quem avalie que era possível manter o sangue frio e recorrer aos processos judiciais. Ouvi outro dia uma comparação: um repórter escalado para cobrir uma guerra lá no front de batalha, onde vai estar exposto a levar tiros, vai trabalhar cobrindo o fato ou vai pegar uma arma e sair matando os inimigos? Ou uma coisa ou outra.

Mas o repórter é livre para mudar sua postura, pegar a arma e sair atirando se achar que isso é o melhor para ele. Só que o público vai estar de olho nisso. Suas atitudes vão influenciar como seu trabalho será avaliado pela sociedade.

Eu não sou anti-bolsonarista, nem bolsominion. Não deixei de acompanhar as matérias e os posts desses jornalistas, nem de admirá-los. Mas, também, vejo os posicionamentos do seu Jair e turma.

Até um certo tempo atrás, os jornalistas utilizavam as páginas de editoriais dos veículos para expor suas análises mais ácidas em relação aos governantes. Carlos Lacerda é um desses personagens deste passado distante. Agora, as mídias sociais escancararam as fronteiras do jornalista pessoa física e pessoa jurídica (aquele a serviço de um veículo). É algo a ser estudado. Se é que já não foi.

A imprensa séria perdeu muitos seguidores nesses últimos tempos – inclusive, boa parte dos que apoiam os pensamentos de JB e dos seus –, mas o baque para o presidente parece ser muito maior. Comprou a briga com a imprensa, mas como deu golpes até abaixo da cintura, agora está pagando o preço.

Bom jornalismo dá audiência.


E ainda por cima, a população brasileira e mundial vai no caminho contrário ao do seu Jair nessa briga. Ela segue acreditando no potencial da imprensa de informar bem. Estudos bem recentes atestam o apreço da sociedade pela imprensa: Edelman e Datafolha.


Imprensa é fonte mais confiável de informações sobre Covid-19, dizem estudo internacional e DataFolha

Estudo internacional da Edelman divulgado recentemente pelo jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, demonstra isso ao mostrar que a maioria (64%) de 10.000 entrevistados em vários países, inclusive no Brasil, consideram a imprensa a fonte mais confiável de divulgação de informações sobre o Covid-19.

Maioria de 10 mil entrevistados em vários países (inclusive Brasil) dizem isso.


Já Bolsonaro amarga 35% de aprovação nesta crise pandêmica (Datafolha, março 2020), abrindo flancos mais delicados para seus planos futuros: permitir o cheirinho de impeachment; evidenciar a figura de um opositor no papel de liderança política da nação (caso do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia); ou ‘apenas’ comprometer seus planos nas próximas eleições.

O Datafolha perguntou:
“Por quais meios você se informa sobre o coronavírus?”


O mesmo Datafolha divulgou números em 23 de março revelando que programas jornalísticos da TV (61%) e jornais impressos (56%) lideram no índice de confiança sobre o tema Covid-19, seguidos por programas jornalísticos de rádio (50%) e sites de notícias (38%). Só 12% das pessoas dizem confiar no que é compartilhado por WhatsApp ou Facebook. O Datafolha entrevistou 1.558 pessoas; a margem de erro é de três pontos percentuais.

Bolsonaro errou ao comprar a briga neste nível ensandecido contra a imprensa e os jornalistas. Agora, não tem mais volta.

Opinião pública elogiou iniciativa articulada pelos jornais – #imprensacontraovirus


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